segunda-feira, 30 de novembro de 2009

chuva e cachorros não combinam

"Disse lhe que ia sair, mas que não sabia a que horas voltaria. Perguntou-lhe se deveria esperar em casa, acordado, ou se também poderia ir pra rua. Ela não soube responder, sua inquietação acabou deixando ambos confusos. Percebeu que cada um acabaria tomando um rumo diferente.
Há muito que não se falam, abertamente, sobre o que lhes aflige. Deixam isso para as pequenas implicâncias cotidianas - as manias de cada um, os não-feitos e os lapsos.
Ele sai com o cachorro, mesmo com o chuvisco da noitinha que começa; pega duas mochilas, a sua e a do cão, veste sua capa de chuva e pega o brinquedo. Saem para brincar, sem saber onde.
Já ela, desce a rua em sentido oposto, num passo apressado e tenso. Dois quarteirões adiante, toca o interfone de um pequeno prédio, onde duas amigas-irmãs, ou irmãs-amigas, moram. Demora um pouco e ela entra, sacudindo a sombrinha do lado de fora.

A noite se prolonga com o fim da chuva e os bolinhos, de chuva, que já estavam a caminho. A capa se torna um incômodo abafado e os bolinhos ficam como que deslocados do contexto. Celulares estão de castigo no fundo das bolsas, calados, enfim.
No apartamento térreo, com jeito de casa do interior, dois gatos preguiçosos vigiam a rua sem o menor interesse nos chamados das donas. Já na praça, deserta por enquanto, o cachorro se diverte como quem vê o mar pela primeira vez. O brinquedo pendurado no canto da boca, dividindo espaço com um sorriso canino.

Nesse momento os seus olhos se cruzam, à distância, quando ambos olhares se cruzam com os olhares vivos do cão e dos gatos. Nessa hora eles se conectam e se precisam.
Ela digita uma mensagem com um gato no colo enquanto ele liga, sua outra mão brigando por um brinquedo babado de borracha.

Olhando de cima e ao mesmo tempo seria possível ver um portão se abrindo e um um zíper de mochila se fechando. Dois beijos, dois abraços, duas promessas de amanhã eu te ligo, um rabo abanando e uma capa dobrada às pressas.

Não demora para se encontrarem na porta de casa.Nesse instante desaba a chuva, que parecia esperar que estivessem no alpendre para lavar o mundo de novo."

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