terça-feira, 29 de dezembro de 2009

"O jornalista Tomás Eloy Martínez cita as mulheres como sóis nos quais a noite jamais pousa. Sim.
Sóis. Irradiantes de força e acontecimentos, criadores de sentimentos e sentidos.
Mulheres também são noites, e isso quem diz sou eu. Noites puras, negras. Noites com ou sem estrelas, que não nos deixam desvelar seus segredos, a não ser que assim desejem,criando em nosso horizonte a passagem enigmática de uma estrela cadente.
Isso nos esclarece confundindo ainda mais, já que o brilho logo se desfaz, deixando um novo manto de segredos encobrindo as perguntas recém-respondidas.
Essa constante alternância entre lampejos de entendimento e silêncios de curiosidade nos faz amá-las tanto e sempre. Nos faz esperar eventos espetaculares - chuvas de meteoros e auroras boreais - que iluminem teus sorrisos e meus olhos."

domingo, 27 de dezembro de 2009

"Um dia confuso, parado. Parece que mesmo lavando o rosto, o sono ainda persiste.
Um sono pesado, que nos faz arrastar pelo dia e a tarde, nos faz pensar demais, lembrar mais ainda.
Dia cinza, chuvoso agora, começo de noite sem distinção, sem as marcas de algum pôr-do-sol.
Dia preenchido por pensamentos e conversas imaginárias, possíveis ou não, desejadas e não.
Calor e suor, memórias recentes, pegajosas mas nem por isso incômodas. Saudades e afins.
Um dia que tirou o gosto das coisas, o sabor e os aromas. Tirou a luz dos objetos e deixou tudo sem contraste ou definição. Capítulos que não satisfazem, linhas que não se completam, não nos completam."

sábado, 26 de dezembro de 2009

Ontem

"Não foi forçado nem nada. Foi bom e isso bastou. Viu e fez e disse coisas boas. Sentiu coisas boas e ruins também. Mas sentiu, e isso também lhe bastou.
Pensou em amor quando viu casais na rua, numa cena bonita e quase inesquecível. Em especial, um casal ao longe, numa rua vazia, lavada pela chuvarada da tarde, andando de braços dados, contra a luz amarela dos postes da mesma rua. Não se via rostos ou cores, apenas a sombra de suas silhuetas que denunciavam sua presença ali.
Percebeu o amor ali, e teve vontade de dizer: "Meu amor." a alguém, talvez ao próprio casal.
Meu amor, no sentido de uma parte de si, indissociável, tal como um braço ou perna. Um amor seu, de ambos, não uma posse, mas um estado, uma razão.
Meu ou seu amor, todo, resumido, se fosse possível, em ombro, pescoço e colo. Resumido em carinho, suspiro e olhares.
Resumido num amor em paz. Amor quieto, calmo e que acalma. Amor para se deitar e dormir seguro, encolhido no abraço que te protege.
Amor assim."

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

"É ou foi inevitável. Volta-se a sentir uma tristeza chata, persistente - por vezes infundada. Volta-se a lembrar de outras horas e varandas, sofás, canecas, chuvas, melodias e gentes.
Geralmente não gosta-se de pensar em tais coisas, não gostamos de ver nossa miséria emocional, o quão fracos podemos ser.
Pessoas solitárias parecem-se tão cheias de algo a dizer, tão lotadas de conhecimento e ensinamento, que chega a parecer errado tirar delas sua solidão que é, ao mesmo tempo sua bagagem. Não bagagem no sentido de fardo, mas no sentido de conteúdo, vivência.

Relendo o que escrevi nesses últimos dias, revejo também como temos nossos momentos de solitude. Momentos de aprendizado e ensinamento que nem sempre percebemos. Nessa hora o "faz parte" realmente faz parte, sentido. Fazemos parte dele. Nos falta o estalo para percebê-lo como nossa parte.

Por fim, não gostei daquele filme, "Marley e eu". Não porque dizem que o cachorro morre no final, mas porque o filme fala mais dos donos que não demonstram um pingo de carinho pelo cachorro e do roteiro que só mostra as merdas que o cachorro faz ou provoca. Filme idiota, rs."

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

"Ontem saiu para comprar pão, mas saiu contra gosto e contra vontade. Estava chovendo e ele preferia ficar deitado, misturado aos seus lençóis, fundido à sua preguiça.
Teimou em vestir blusa ou casaco, botas ou mesmo um chapéu. Teimando, saiu.
Chovia uma chuva estranha, nem quente nem fria, nem grossa nem fina. Apenas chovia, e isso era o que causava a inquietude.
O caminho até a padaria era curto e, geralmente, ele podia sentir o cheiro das guloseimas, quente no ar, logo quando virava a esquina. Dessa vez não. Dessa vez não sentiu.
O que sentiu foi o cheiro das árvores, cheiro-verde, por assim dizer. Sentiu o aroma das gotas que conseguiam vencer a barreira das folhas, daquelas que despencavam aos solavancos após uma ave alçar seu vôo ou mesmo o cheiro das gotas que desciam, todas unidas, tronco abaixo.
Sentiu e parou, estacado, abaixo de uma grande árvore, imponente e cansada sob o peso de suas folhas viçosas e seus galhos idosos. Parou ali, atrapalhando a passagem das senhoras e suas sombrinhas, afrancesadas com seus trejeitos. Parou e olhou para cima, sem nenhum receio ou cerrar de olhos para alguma gota que viesse lhe saudar. Olhou e viu acima de si o céu mais azul que poderia conceber.
Descobriu que a chuva já parara há algum tempo, tal como ele, que ficou ali, fincado, sentindo, sem se dar conta da situação. Ficou, se molhou encharcando, e se descobriu sorrindo.
De repente, virou a cabeça, como que empurrado por uma mão invisível - era o cheiro do pão que saía chiando do forno, e que lhe chamava, avisando que a tarde apenas começava e que era preciso um café novo para acompanhá-lo."

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"Recebendo uma ótima notícia hoje (depois eu acabo contando qual foi), percebo que minha ficha ainda não caiu. E fico meio para baixo com isso, meio que frustrado.
Não caiu quanto a me virar, sozinho, desacompanhado de alguém especial a quem contar essa notícia tão boa. Parece que a notícia em si perde a graça e passo o dia todo com olhar besta de quem perdeu, e não de quem tenha ganhado alguma coisa.
Me vieram coisas como estímulo mútuo, compartilhar e sorrir, coisas do tipo.
Mesmo assim não consegui digerir isso ainda. Uma coisa para a qual me dediquei durante todo esse ano que passou, e mesmo assim não fiquei assim, muito animado...sei lá.
O que quero dizer não é que estou triste, nem que me chateou lembrar de alguém que não merece e que sei não dar mínima para tudo isso. Mesmo que desse, não me diz mais respeito.
Não gostei foi de deixar essa carência boba vir à tona, deixar ela quase tomar conta, desanimando o dia, pesando os olhos e dando vontade de dormir.
Tudo bem, vou achar alguém, aquele bom amigo, que mereça ouvir a notícia e que vai retribuir, vai recompletar.
Quanto a alguém para amar, ainda espero por uma boa notícia."

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

"Domingo foi um dia bacana. Posso até dizer que foi perfeito, completo.
Uma tarde linda, um calor danado, cerveja gelada em quantidade, boa companhia que há tempos não se via.
Tinha um filhotinho de gente, de seis meses, olhando tudo com uma fome de ver que dava gosto. Sentia cada milímetro das coisas com os olhos, quase tirando pedaço. Não dava a mínima para nós, humanos adultos, babando contente sua vidinha que ali começava.
Como será que receberíamos essa dádiva de apenas olhar as coisas, sem ter aquela ânsia de entender ou dar sentido a tudo? Saberíamos aproveitar? Saberíamos ser daquela forma tão simples?
Esse filhote de gente é parte integrante de um casal de amigos que há tempos eu não via, reencontrados nesse domingo bacana. Foi ali o reparar no estado do dia, no céu, nos sorrisos das pessoas, na mesa colocada no meio da rua, porque na calçada o dono da casa em frente não gostava, da música espôntanea tocada pela turma lá dentro do buteco. Muito, mas muito longe de casa, mas sentia a antiga varanda tomando a vista, tamanha era a tranquilidade.
A hora de beber chegou e passou, sem susto, sem trauma e sem teimosia para acabar. Comer atum e tomar chope. Ouvir chorinho e ver mais amigos, boníssimos amigos. Encontrar novos amigos, uns que não saíam da memória; pessoas com sorrisos marcantes e todo aquele potencial para serem algo muito além de amigos."

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"Por fora e por dentro, é tu e tudo. É dor sem corte, é ver e olhar.
Pisar a terra molhada e sentir o cheiro sobe da grama.
Sentir o céu te cobrir, sentir e sorrir.
Deitar aonde quiser, olhar para o fundo de tudo, ouvir o silêncio de tudo.
Sigamos em frente, mesmo sem vontade."

sábado, 12 de dezembro de 2009

"O que você já fez que eu não? Tudo, provavelmente!
Lógico, Limão, sua anta; você acha que é o centro do universo?
Mas o ponto é outro: paradoxos, comportamento paradoxal - uma droguinha bem legal que descobri ontem e já vi que estou usando toda hora. O Bom que essa é barata e não preciso me submeter a nada para consegui-la, exceto pensar.
Pensar em possibilidades destoantes, horizontes nada convencionais, desafiantes da tão aclamada lógica e da tão sublime, e que gosta de me fugir, razão.
Auto estradas ruins que se enchem, comportamentos indevidos que se repetem instantaneamente.
Pare para pensar como vemos isso quase sempre, como nos deixamos levar por coisas como isso quase todos os dias. Nos deixamos e felizes!
Incongruentes, impensantes, inatos e inacabados, todos nossos comportamentos.
Pense bem."

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

lais de guia, prussik e fiel

"Paradoxos à parte, ontem meu coturno morreu, coitado. Depois de dezesseis anos de muito barro, cerveja e shows, o véio não aguentou e entregou os pontos, literalmente - a sola se abriu como uma bocarra de jacaré, um dos lados do cano rasgou-se em mais ou menos um palmo de extensão, fora os buracos espalhados. Quando reparei que tinha rasgado, já indo abrindo a boca pra xingar, quando pensei: "Peraí, tenho essa merda desde meus treze anos! Já tava passando da hora de rasgar!"

É com essa constatação que me veio à cabeça outra forma de pensar, de levar e de agir. Tem coisas que arrastamos conosco durante um tempo enorme, senão por toda nossa vida, das quais não nos damos conta que já tiveram seu tempo, que está na hora de deixarmos tais coisas irem embora. É inevitável, tudo vai ter que acabar. Tudo tem que ser acabado. E acho que mais importante, temos que aprender a acabar com as coisas, a reconhecer os prazos de validade, a ignorar os laços sentimentais, às vezes fruto da convivência, que nos atam a peças que já perderam seu valor. É hora de andar. Buscar o novo, o desacostumado e o ainda estranho a nós mesmos. Hora de encontrar algo que nos deixe intrigado com suas manias e trejeitos. Alguém que nos deixe curioso e inquieto, em busca de mais detalhes explicativos de seu funcionamento.

Busca-se laços, às vezes à força, nos enlaçamos sem saber ou querer. Laços, voltas, tranças e nós, daquele tipo que apertamos forte pra ter certeza que não vai soltar. Nos embaraçamos mais e mais, indiferentes aos avisos e sinais cegos à razão e felizes pelo fazer, pelo ser, pelo existir. Ansiosos por sentir, nos enredamos em cordas e barbantes, qual um filhote de gato e seu novelo de lã, absortos no deleite, hipnotizados pela insistência em nos confundirmos ainda mais num redemoinho de fios à nossa volta."

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

"Sonhei com cachorro, de novo. Dizem que é sinal de dinheiro à vista; por mim podia ser sinal de cachorro à vista. Ia ser muito mais legal!
Nunca imaginei que ia sentir tanta falta de um pulguento safado por perto.
Cachorro é tipo um melhor amigo que não fala, sabe? Mas sabe te consolar de uma maneira inconfundível e indefinível. É bom isso.
Acordar de mau humor e ver que ele não tá nem aí para isso.
Chegar em casa encharcado, pego de surpresa pela chuva, e o bendito faz questão de te dar aquelas duas patadas no ombro.
Sentir-se triste, sentar em qualquer beiradinha e lá vem ele, com algo na boca, seja um sorriso ou algum brinquedo babado.
Distrair-se um instante e ser cutucado com um focinho gelado.
Se cansar de tanto pular e correr atrás dele, esbravejando de mentirinha.
Sair pra passear e tomar milhões de puxões e trancos na guia, até que o descoordenado se acalme.
Chegar do passeio e vê-lo pular no pote d'água e sapatear, quando todos achavam que ele iria beber água.
Resolver dar banho e querer deixar tudo pela metade, pois o sacana não sossega um instante.
Esquecer um prato com qualquer coisa ao alcance e perceber que, segundos depois, o prato está limpinho.
Fazer pipoca e saber que logo vem um co-piloto pra vigiar as que caírem no chão.
Assistir aos comportamentos mais estranhos e inexplicáveis que você pode imaginar.
É mais ou menos isso."

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"Gente medíocre no supermercado.
Eu no supermercado.
Plástico demais.
Gasto demais.
Penso demais.
Sinto demais.
Não quero.
Não vou.
Vou deixar.
Vou largar.
Vou sumir e estudar.
Vou aceitar.
Tudo.
Vou resignar.
Vou conformar.
Seguir sem sentir.
Seguir sensato.
Fingir sensato.
Andar sensato.
Calar.
Doer.
Olhar e andar. Pra longe disso.
Pra perto de mim."
"Choque de realidade durante a madrugada. Fazia tempo que não aconteciam. Fazia tempo que não perdia o sono assim.
- É, é a idade chegando. Discordo.
Choque ao encarar que está na hora, infelizmente, de abandonar uma parcela muito significante da minha vida. Está na hora de deixar sumir, esmaeçer. E dói saber que é o mais sensato a fazer.
Não, não é crise de piedade.
É confuso e angustiante ver isso acontecer. Geralmente só percebemos isso depois, quando vamos procurar por algo e vemos que se foi, se perdeu. Mas ver o processo em ação, ver as coisas se esvairem pelos dedos, ver que não dá mais para viver com a cabeça lá e aqui. Não dá.
Falar nisso, me faz sentir conformado demais, uma vez que sempre questionei a necessidade da sensatez.
- Você está racionalizando demais as coisas.
Às vezes sinto como se minha função por lá tivesse acabado, que me mudaram de turno. Sinto que não tem por que esforçar, ajudar, consolar ou intrometer em assuntos nos quais minha opinião não vai fazer a mínima diferença - patético isso. Eterna mania de pensar que é indispensável.
- Ninguém vai ter pena de você, me disseram uma vez.
Sinto pena de mim mesmo por ficar imaginando se fui embora e deixei alguém lá que espera por mim. Ridículo.
- Vai te fazer bem, dizem.
..."

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

"Precisava sair, mas estava com medo de encontrar, por acaso, quem ele não queria. Queria mas não queria, queria mas sabia que não devia.
Embatucado com a questão, saiu, temeroso porta afora, como um animal que sai de sua jaula pela primeira vez. Saiu, decidido a tomar caminhos diferentes dos usuais.
Talvez tenha sido isso que lhe pôs um sorriso novo na cara. Tal como o animal recém saído da gaiola, agora eram as surpresas em potencial que lhe agradavam. Ansioso e inquieto, seguiu em frente, quase inconsciente, rumo a seu destino. Ruas, casas, árvores e calçadas diferentes. Pessoas, cachorros e até o canto dos passarinhos se mostrava novidade.
Aonde ia já não tinha mais importância, o fim era simplesmente o ato de ir, o caminho.
Seguiu em paz, contornando quarteirões e praças, ouvindo as rotinas de vizinhanças desconhecidas. Outros horários de almoço, outras melodias nos rádios, outras crianças dando risadas.
Sentiu como se tivesse mudado de cidade, de estado. Sentiu-se livre e anônimo. Sentiu-se por completo.
Se chegou a seu destino, nem mesmo ele saberia dizer. Agora seu destino não era apenas um; eram todos os possíveis, todos os pontos que pudessem ser chamados de "aonde ir" e que merecessem uma pausa. Mercearias, lojinhas de badulaques e botecos se apresentavam e convidavam. A vida em si, parecia mais animada por aqueles lados.
Você ainda pode encontrá-lo, hoje ou amanhã, por algum caminho que esteja seguindo. Se o vir, mande um abraço meu."

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

"Tomei gosto por chuva quando voltei. Antes eu não gostava tanto.
Passei a gostar, a sentir falta, até.
Chuva fina e morna, pesada-gelada, com vento e pedrinhas de gelo misturadas.
Chuva tem me feito pensar e recordar.
Nutrindo e suprindo o que possa estar faltando. Sempre falta algo.
Chuva lembra sapo, que lembra mato, que lembra noite escura e estrelada.
Estrelas brilhantes num pano opaco, furado por ruídos que só a noite tem ou faz.
Noite escura assusta e acalma ao mesmo tempo. Lembra inquietação ao passo que nos envolve e nos convida.
Convida ao chá mate, ao violão.
Nos faz lembrar de atiçar o fogo, senão o banho é gelado.
Noites assim são boas para se ver a silhueta das montanhas contrastando com a luzinha fraca do céu.

Chuva também lembra café de caneca, lembra braços arrepiados de repente, sejam meus ou nossos.
Lembra alguém dentro do abraço e no caminho da boca.
Lembra um beijo na orelha, sem estalar, porque estalado não combina com chuva; tem que ser beijo manso, beijo-cafuné.
E cafuné, talvez vocês não saibam, mas lembra uma colcha de retalhos que tenho aqui, daquelas da vovó - que esquentam esfriando e vice-versa.
Isso tudo lembra suspiro, e suspiro, irremediavelmente, me lembra chuva."