segunda-feira, 26 de abril de 2010

"O curioso do amor é que quando a gente divide, multiplica."

Jornal dos concursos

"Novamente eu gostaria que alguém, qualquer um estivesse por perto, só para olhar, olhar a amizade sem esforços acontecer. Olhar o que sustenta e faz bem. Olhar o ombro, o colo, o abraço que protege.
Quero esse alguém numa praia, numa varanda ou numa mesa de bar. Numa noite de lua com morcegos ao redor. Quero suspiro de tranquilidade, sorriso e qualquer coisa.
Quero ficar sonolento ao seu lado, bocejar sorrindo e beijar sonhando.
Quero surpresas, disparos de alegria, pulos e puxões - "Vamos! Vamos!"
Quero voltas sem fim em praças intermináveis, lindas.
Sair da frente dessa tela que me cansa a cabeça, companheira de tardes, noites e manhãs. Determinante parcial do resto da vida.
Fazer entender que uma vez na vida eu quero fazer o que eu quero, o que penso, ao menos penso, ser bom para mim, ser o que quero fazer. O que vou ser feliz fazendo.
Fazer entender é difícil. Bate com valores e conceitos. Bate com quem não deveria bater. Cansa achar que tudo se explicará em algum momento. Cansa se fiar nisso e acordar ao explodir e dizer tudo que a gente acha não ser preciso dizer.
Acho que dizer que é isso que quero para mim não precisa ser dito. Achei que já estivesse estampado na minha cara, de acordar cedo aos fins de semana, ao ficar em casa nas sextas-feiras, ao cansar ao ler e pensar
Pesa imaginar quão poucas pessoas sentem o furor que sinto ao cumprir com todas obrigações que eu escolhi serem estipuladas. Pesa saber a dificuldade em jogar uma luz no todo, por sobre conceitos empoeirados desde a própria criação, fazer ver que o que foi ensinado, o que é aconselhado, repetido, insistido como a dica para o sucesso, que no fim das contas não o é.
Custa fazer entender, fazer entrar na minha pele e sentir as faltas que só eu sinto, que infelizmente não batem com as suas. São ambas dignas de respeito, de valor.
Deixar tudo seguir, calado, não faz meu feitio. Por um tempo até que vai...consigo fazer o jogo, fazer o papel que esperam.
Infelizmente tudo é finito.
Que saco..."

curta-letragem

"O gato pulou a janela e entrou de fininho no quarto. Olhou em volta, cheirou, examinou. Viu uma brecha por entre as cobertas e por ali se meteu. Friorenta nos pés como era, a usuária da janela não notou a nova companhia.
Só pela manhã de sábado, quando o ventinho levantava a cortina e jogava baldes de luz na sua cara, que percebeu que dormira com alguém. Estava ainda anestesiada de sono, quando sentiu um peso no corpo, dividido entre quatro "pecinhas" que avançavam delicadamente. Um "miau" como bom dia a fez virar-se e encarar, a um palmo do nariz, o visitante. "Miau" de novo. Não teve como não sorrir.
Nessa hora, avisado sabe-se lá por quem, veio a cachorra, estabanada e ofegante, querendo dar o seu bom dia também, só que em latidos. Parou diante da cama e olhou a cena, virando a cabeça para entender melhor. Por um breve momento todo o quarto esperou pelo pior. Mas não. O que se viu foi um rabo abanando, descontroladamente, um pulo em cima da cama e um baita lambida. Seguiu-se uma lambida de retribuição e mais um "miau".
O dia estava lindo lá fora."

quinta-feira, 22 de abril de 2010



"Hoje estava pensando numa coisa e esqueci. Aliás, pensei num bocado de coisas. Era algo que eu gostaria de escrever, mas por algum motivo, não me lembro mais o que é.
De qualquer forma, agora há pouco estava pensando em comprar um incenso, depois em ter uma casa pequenininha, bem aconchegante, pra poder acender o incenso e ficar na janela. Só que essa janela seria a de um apartamento, bem no alto, pra ver longe. E nessa varanda (que era janela mas cresceu) ia ter uma samambaia daquelas compridas, que costuma ter em casa de costureira.
Depois de pensar no incenso, pensei em como uma pessoa que conheço me censura sempre que toco no assunto de uma ex-namorada - não sei se é para me fazer esquecê-la de uma vez ou para protegê-la. Daí eu lembro dela por um instante, de uma forma comum, e vejo que deve ser para protegê-la, mesmo. Bom, de qualquer forma não tenho problemas ao lembrá-la.
Passado isso, lembro que tenho um montão de coisas para ler e dois seminários para fazer, o que me lembra, não sei porquê, de tomar cerveja. Daí lembro que preciso de um livro e de um pendrive. Lembro que tenho que levar uma máquina fotográfica para consertar e lembro também da dona da máquina, que fala muito, mas é boa gente. Lembro que seria bom investir em uma câmera boa, daquelas digitais e tal, o que me remete imediatamente às saídas a campo para a tese de mestrado. Legal isso. Mestrado lembra Caraça que lembra hospedagem no colégio, que lembra fogão a lenha e lembra café. Café tem ali, na garrafa, lembro que é uma boa hora de uma caneca cheia e fumegante. A caneca soltando fumaça me leva lá pra janela, onde vejo a vizinha brincando com a Frida, sua labradora bonitinha.
A labradora lembra o labrador que tinha lá em Poços de Caldas, meio bobo, meio desobediente e inteiro bacana e amigão. Amigão me lembra o CJ, que foi embora. Não o Ramone, mas o Cj boxer, que era também, um baita amigão. É ele ali em cima, com sua cara de maconheiro e a Nala, mamãe dele, atrás."

terça-feira, 20 de abril de 2010

No mar (2)

"Dia após dia ele anda pelos quarteirões perto da sua casa e sempre escuta o canto do canário de um dos vizinhos da rua. Nessa hora ele para e ouve com atenção, quase um êxtase.
Dia após dia ele toma café e corre para escovar os dentes antes que seu ônibus passe batido pelo ponto, vazio não fosse ele ali.
Dia após dia sente falta de ter tempo pra comprar uma rede e furar, a contragosto do proprietário, as paredes da pequena varanda de seu apartamento.
Noite após noite sente saudade de seus irmãos, mais velhos, com quem dividia o quarto e as risadas após a hora de dormir.
Noite após dia sente o cheiro do chimarrão da vizinha, bonita e quieta, que invade sua área de serviço enquanto ele põe as roupas, lavadas durante a tarde, no varal.
Busca refúgio entre as folhas da samambaia que ganhou de uma amiga.
Busca conforto nas notas que Edu Lobo tira do violão.
Busca água na bica perto de seu endereço.
Busca pilhas para a lanterna da cabeceira.
Traz para casa toda a sorte de bugigangas que encontra nos ambulantes residentes em frente a seu emprego.
Traz no peito uma dor que não sabe o que é e não sabe esconder. Chora ao passar a catraca, ao dar sinal para descer. Limpa o rosto antes da portaria, do serviço, do banco e do restaurante onde almoça.
Desse modo, não traz tal tristeza para dentro de casa. Não deixa que suas lágrimas pinguem em sua mesa, livros ou travesseiro.
Desse modo, deixa que a cidade leve suas mágoas, saudades e vontades para longe, para junto de outras lágrimas, dores e desejos, que se congregam em enxurradas invisíveis.
Direto, como já disse, para longe, lá no mar..."

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sprout and the bean




"Essa mina aí em cima é gringa e toca harpa. Só sei disso e que ela escreve e conta músicas lindas, que me aplainaram as idéias difusas e incoerentes da cabeça. Sei o nome dela também, mas isso não vem ao caso.
Algumas de suas músicas me levaram a lembrar de coisas e pessoas. Coisas como abraços, pessoas como as que já não sei se existem. Ou pessoas que ainda não me existem. Me lembraram pão.
Me fizeram escrever isto. Me fizeram respirar e endireitar a postura. Me lembraram de chorar, mas só lembraram, porque as lágrimas ainda estão sendo feitas e não houve nada que as fizesse sair.
Sementes espalhadas e conversas de girinos.
Grama, água e violão.
Vozes no escuro, atrás de uma porta de rua, onde a chuva castiga e nos pede para abrir. Uma voz que nos é comum, é a nossa própria voz que ecoa quando batemos a cara nessa porta escura.
Uma tarde fria e escura também, por nuvens carregadas que trazem o vento.
Luz de abajur, fraquinha e aconchegante. Clichê.
Música que me faz piscar e ver que muita coisa se desfaz nesse meio tempo. Lembranças que ainda teimam em surgir e que não têm mais o mérito de povoarem minha cabeça. Me lembrar do que ainda está por fazer. Música que faz coçar a cabeça, olhar para os lados, pensar em quem se gosta ou se gostaria, que estivesse por perto para ouvir música junto.
Sorrir e ouvir junto.
Abraçar junto.
Chover junto, viver junto, talvez para sempre, talvez só até o fim do domingo.
Piscar e suspirar junto, perguntar o motivo do suspiro junto. Perguntar o motivo do sorriso junto. Perguntar sem falar, responder sem dizer, fazer sem ouvir, insistir em continuar abraçado, por mais que a hora chegue e o telefone te lembre da sua vida que ainda passa por trás.
Musica com água, com chuva, com beijo molhado. Com óculos embaçado, por respiração perto ou por choro e lágrima. Nariz vermelho, escorrendo e vontade de esconder debaixo da cama.
Música que te busca lá no fundo, te aperta e te assusta com tamanha beleza e simplicidade. Música com vida e com doce, chocolate.
Música que realça silêncio e sorriso. Que atrasa compromissos, perde ônibus ou faz pegá-lo mais cedo só para levá-la para ver os carros da janela junto consigo.
Estalos, passos e suspiros de novo. Estrelas entre árvores à noite, cachorros e mendigos. Frio que não senti, mas que fui eu quem o dispersou, fui eu quem o abraçou.
Música que te bota no ritmo, eixo ou rumo, que te empurra para frente, igual fila para comprar bala no recreio.
Te leva, te faz.
Te traz."

domingo, 18 de abril de 2010

"Tudo que eu gostaria era que você estivesse aqui, você me faz fluir tão bem, veja só. Tudo que sei é que você deixa anestesiado, é sempre bom viver assim.
Desejo isso, alguém para dizer isso, alguém para confidenciar. Desejo isso.
Desejo isso toda hora, sem pensar até. Desejo poder falar tudo que fecho na boca que se enche de palavras que não podem sair sem um alvo conhecido por perto. Desejo poder mostrar o que vejo da janela do ônibus ou da calçada. Só gostaria que realmente estivesse por perto, alguém. Alguém por quem ligar, para quem ligar, para quem falar da saudade, da preguiça, dos estudos, da vontade de abraçar e não soltar mais.
Alguém para ver as coisas, junto, na tevê ou na paisagem, alguém que te permita emocionar. Que te permita sentir olho lotado d'água, suspiro na ponta do nariz e beijo no gatilho. Abraço quando chega, sai, vai e volta. Quando senta, abre a porta, fecha e senta na beira da cama.
Alguém que te acompanhe, seja hoje, ontem, mês inteiro ou pela vida, de agora em diante, e até que a morte nos separe. Alguém que te fale e te escute, te bronqueie, te bote nos eixos. Uma que te pegue, te cegue, te aconchegue. Te abrace, te sinta, te viva junto com você.
Um amor de novo, pra poder suspirar ao subir as escadas, sorrir ao abrir o chuveiro ou cantarolar abrindo o armário.
Um doce, uma pêra, um beijo seco, ou molhado também.
Um aperto no coração antes da viagem, outro aperto antes do aviso que "cheguei bem". Um amargo sentir de saudade e ciúmes. Um amargo jeito de querer brigar e não conseguir, não se render a tal baixeza sem razão. Mesmo que tenha, uma briga que não acontece, não anda, não faz. Não passa da cara feia, do nariz torcido. Que se torna abraço e sorriso e palavrões de mentira. Broncas falsas e raivas de papel.
Sinto isso toda hora, em casa, na rua, na cerveja e na biblioteca. Ida, vinda, aula e intervalo. Sinto e sinto falta disso em muito do que vejo, quando vejo algo que no fundo invejo; abraço no portão, beijo na esquina, de esquina.
Sinto falta do sentir, do esquentar, do amassar.
Sinto falta do sorrir o sorriso exclusivo de alguém.
Necessidade do falar, do dizer, do revelar aquilo tudo que está pulsando.
Não é reclamação, é só um desabafo, daqueles ditos ao bom amigo, que te entende e se cala por não saber o que dizer."

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"O motorista acelerava a máquina, que dava trancos nos barrancos que apareciam e jogava a carga para o alto. Lá dentro, escuro naquela luz bonita das seis horas de céu limpo, vários assentos vagos - sinal de viagem menos cansativa.
Lá fora corta um ventinho frio, atrevido. Ali dentro, o ar já mostra sinais do quão carregado vai ficar. As janelinhas nunca dão conta de fazer circular o ar, mesmo quando escancaradas.
Um instante e casa cheia. Meninas bonitinhas, com bolsinhas e roupinhas, possuem distribuição agregada. O restante faz questão de ser tudo aleatório. Da entrada ao ponto final.
Ao lado o celular faz papel de rádio de pilha, no ouvido atento da moça. À frente, a velha torce seu nariz para todos que se sentam a seu lado. Ao lado dela, o negro desenha devaneios num papel, balançando a cabeça ao som de vá lá saber o quê. Atrás, a morenaça de vestido longo tosse escandalosamente, deus queira que cobrindo a boca ao fazê-lo. O cobrador faz seu interminável "péim-péim" com moedas nas barras da catraca, e a catraca eletrônica, por sua vez, solta seus apitos periódicos para nos lembrar que ela não vai deixar ninguém passar, se não pagar.
Eu viajo longe, tentando achar e manter um sorriso na cara, cabeça fervendo depois de uma aula magnífica, dez capítulos de vinte livros mais vinte anos de trabalho. Procuro manter a cabeça focada nas ruas, nos faróis de carro, no céu que contrasta, azul forte, com as luzes acobreadas dos postes ali fora. Todos vão para algum lugar, alguns sem tanta pressa ou pose; cabelos se desgrenham, bocejos se entregam. Destampam cervejas, abocanham cozinhas, abraçam e apontam. O friozinho repentino bota a criançada nos moletons e as mães no salto alto. Elas, crianças, continuam deslumbradas com tudo que lhes aparece, esticam-se para pegar, puxar as cordinhas penduradas que fazem barulho quando se puxa uma delas. Celulares tocam uma sinfonia de melodias, de bom gosto ou não, trazendo recados, avisos e declarações. Eu continuo olhando mais pra fora do que para dentro. Constato que um "chicrete" me grudou na sola e que a pilha do aparelhinho acabou - agora a trilha sonora cessa. O sinal abre e o verde remoto que se retira pra dormir e voltar amanhã, sem pressa, junto comigo na próxima viagem. Amanhã."

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Sobre...

"O mar é imenso e tem uns que tão emocionados só com a brisa." Isso é parte da letra de uma música. Me diz coisas além disso tudo, me leva para mais longe disso tudo. Me tira os sapatos e as meias. Me bota com o pé no chão, pra ver tudo que pode um dia acontecer. Tudo que eu poderia fazer acontecer.
Tão pouca coisa sobrou hoje em dia, tão pouca bondade e tão pouco amor. Me disseram isso ontem: "So little love in the world." Não dá para negar frase como essa. É verdade, o amor sumiu, quase morreu. Se ainda vive, não quer dar as caras. Tanto que foi alguém que não quis se identificar que disse tão certas palavras - anonimato que só perpetua essa escassez, nos proíbe de saber quem estamos elogiando, nos proíbe de saber quem veio nos dizer esse conforto.
O dia passa quieto, frio e parado. Nos faz pensar nos acontecimentos que estão ocorrendo. Angústia que se dobra, triplica. A dúvida e a incapacidade do prever nos deixam cada hora mais apreensivos. Nos põem de sobreaviso, nos mostram a morte rondando nossa vida, todo dia, a cada telefonema de longe que chega. Nos mostra seu poder, seja de levar quem nos é caro, mas também sua força de fazer ruir toda a tranquilidade aparente que reinava. Derruba nossos muros, nossas defesas. Muda nossos dias, nossas rotinas, nossas noites. Muda nosso modo de ver tudo o que se passa. Muda nossa vontade de fazer ou continuar. Espalha seus ramos por todos os espaços da casa, deixando uma mácula. como que um lembrete.
Mostra, mais uma vez, que resta muito pouco de amor, no sentido puro, nesse mundo que criamos.
Resta pouco. Façamos um bom uso, multipliquemos, restauremos nossos passos, reatemos velhos papos.
Resta pouco, não se esqueça."

quinta-feira, 1 de abril de 2010

"De novo lembranças. Nem de todo ruins, pelo contrário, divertidíssimas, daquelas lembranças que dão água na boca.
O que é ruim são as lembranças que vêm a tiracolo, agarradas à primeira. Nos fazem perceber que tais lembranças ainda estão agarradas em nós, em nosso íntimo. Nos fazem sentir pena de nós mesmos, fazem-nos sentir impotentes e incapazes, imaturos e idiotas. Por vezes nos fazem acordar, abrir os olhos de uma maneira positiva, mas dessa vez não.
O ar parado da noite, como se o mundo tivesse tomado um susto. Como se espera o trovão depois do relâmpago, o estouro...
Momentos bons que tornam-se insuportáveis. Culpa, dúvida, saudade e teimosia.
Vontade de algo que não tem mais, acabou.
Vontade compartilhada. Não mais.
Vento, chuva e noite.
Café, macarrão e travesseiro.
Livro, blusa e abraço.
Uma parte da minha vida.
Não mais."