terça-feira, 30 de março de 2010

Rua prédio e mato

"Dia tenso, cheio de idéias e imagens, expectativas as quais não quero deixar concretizar.
Palavras pesadas, meladas até.
Amizades mil me vêm à cabeça. Me vem como é tênue a borda que as segura, que as contém. Amizades que se desfazem por razões que, no meu caso, desconheço. Me dizem que tenho sangue de barata, que sou frouxo. Sou, não nego. Gosto das amizades que fiz, que se fizeram em ocasiões únicas. Não consigo deixar que sumam, que se desfaçam, uma vez que são eventos que fazem parte de toda minha vida e memória - sempre.
Amizades de casa, de prédio, de rua, de escola e de trabalho. Não podem nem devem sumir assim.
Sempre me lembro de algum aspecto de cada uma delas, nas mais variadas horas. E nessas horas eu gostaria que o tempo voltasse e parasse, para viver de novo e eternamente coisas tão boas e sinceras.
Suor, sorrisos, abraços, palavras e desenhos. Música, biscoitos de fécula de batata, coca cola no copo alto. Vergonha, fotos e botas de escalada. Saudades de coisas e procedimentos que se foram, até então, para mim, apenas por um tempo breve.
Dúvidas e especulações sobre as causas, idéias de como reatar, reaver tão grandiosos momentos. Pôres do sol, estrelas, escuridão e lua cheia no alto das serras de Ouro Preto e adjacências. Bacuraus no meio do caminho, gaviões pega-macaco, cães sorridentes, esquilos amistosos.
Lenha na lareira, café, cerveja, vinho e vodka. Fotos, livros, cobertores dispensados, mochila no canto da sala, dormir no sofá, chuveiro teimoso e gelado. Dia claro, quente e luminosíssimo. Desenhar no pé da árvore, pisar na terra, fruta no pé e celular sem sinal.
Apartamento e faxina no guarda roupa, sair para ajudar a fotografar, entrar para ajudar a amar, música alta, slides na parede do prédio adiante, regulagem de bicicleta na garagem, conversas animadas, rabiscos no chão. Luz indireta, colar de pérolas numa foto de polaroid. Costura pendurada na grade, sinais, avisos, cumplicidade e amizade.
Cumplicidade e amizade.
Faz falta sempre."
Grande amigo, tenho saudades

domingo, 28 de março de 2010

Domingo besta S/A

"Esse é o nome desta empresa tão bem-sucedida. Tamanho sucesso permite que nela só se trabalhe um dia por semana, apesar da quantidade de trabalho nesse dia ser enorme.
E o que se faz e se vende nessa empresa, é o que perguntam todos na calçada-platéia.
Lá tem de tudo para tornar seu domingo completamente quase que insuportável, impossível de passar.

Tem inquietação com céu azul mas nada para fazer.
Tem andanças feito barata-tonta pela casa e quarteirões.
Tem atraso em todas as tarefas que se dispõe.
Tem sono calorento depois do almoço, de fazer acordar com a camisa suada, incomodando.
Tem ausência de alguém para sair junto, de mãos dadas, talvez.
Tem ruas vazias de gente e vazias de sons.

Lembranças que a custo foram esquecidas se apresentam vívidas e inoportunas. Vontades de lembranças frescas para suspirar na janela.
Saudade das tardes quando compartilhava o domingo besta dos outros em reuniões improvisadas - fosse chuva ou sol - e que faziam graça com tal empresa e seus produtos.

Tem expectativa de que acabe logo esse dia e que comece logo a semana.
Tem correria antecipada.
Tem torcida para que passe algo de bom na tv.
Tem fome de comida japonesa, com atuns e shimejis.

Tem uma noite linda, com lua e céu limpo, convidando para sair, andar, prosear e abraçar. Nessa noite tem praças e ruas mais vazias ainda, com cães que levam seus donos para passear, ávidos para sair um pouco dos apartamentos e esticar as canelinhas curtas.
Tem telefone que não toca ou atende, música que nem sempre satisfaz, macarrão de fim de tarde, papelada em cima da mesa pedindo para ser lida. Tem matéria das provas chegando por email, livros com várias marcações, carteira vazia, cabeça também...

Essa empresa não vende essas coisas, sabe? Ela disponibiliza para todos, numa boa. E não é preciso nem pedir. Mandam o pacote completo - se a carapuça servir, acaba-se usando um ou outro produto, sem pensar ou querer.

O bom é que, tendo uma boa dose de discernimento ou vergonha na cara, conseguimos pegar tudo que é bagunça e dúvida e fazer virar outra coisa ou, na maior parte das vezes, conseguimos fazer essas coisas pelo menos perderem a significância.
Conseguimos deixar correr, fluir, sem esperar o resultado.
Nada disso a empresa tem para oferecer ou espera como resultado do uso de seus produtos."

quarta-feira, 24 de março de 2010

"Teve um dia que resolveu sair descalço. Nem chinelo, nem sandália - pé no chão mesmo. Na raça, como disse um vizinho palpiteiro.
Precisava ir ao banco, e assim foi. Chegando lá, olhar inclinado da vigia. É, era uma segurança mulher, ou mulher segurança, enfim.
- Assim o senhor não pode entrar não, moço. Não é lugar de pedir dinheiro aqui não.
Outro olhar inclinado, dessa vez do dono dos pés descalços. Só os pés, porque o restante estava devidamente calçado - calças bem passadas, camisa e gravata e barba. Tudo muito certo para o calor que fazia no dia.
- Moça, me desculpe, mas tenho uma pendência a resolver com o gerente. Não posso me demorar aqui, tenho ainda que voltar ao lugar onde trabalho.
Um terceiro olhar, dessa vez em direção a qualquer lugar que não fosse os olhos do homem pé-no-chão. Entrou, fez o que tinha que fazer e se foi.
Olhares confusos, curiosos e até sorridentes, de todos com quem ele cruzou. O porteiro da firma veio correndo, desabalado e solícito, achando se tratar de alguma emergência - assalto, acidente ou desafeto - chegando a ponto de aparar nosso pedestre com os braços. Passadas as explicações e desculpas, seguiu pela escada. Sentia calor nos pés e queria deixar o mármore fresco fazer seu serviço.
Escritório, banheiro, torneira e sabão.
Como não tinha mais que sair à rua, o dia passou da mesma forma. Talvez isso o tenha inquietado. Seus pés batucavam, remexiam em tudo o que estava ao alcançe. Puxava fios do computador, fez o mouse cair, derrubou a lixeira e ficou por lá, feito criança, mexendo nas bolinhas de papel, rasgando folhas, amassando o que ainda não estava. Com isso chegou ao fim do expediente. Veio à cabeça a frase automática, ou melhor, o ato involuntário de procurar as tiras do chinelo, para frente, para os lados e, por fim, para trás, embaixo da cadeira. Lembrou-se e tocou para a rua. Os pés formigavam de pressa. Tocando a calçada eles estacaram. Pareciam cheirar a direção a seguir. Os dedos se encolheram e esticaram e a marcha recomeçou.
Sem pressa agora, foi olhando onde tinha canteiros e pequenos trechos com terra seca, nos pés das árvores. Por incrível que pareça, chegou em casa (não era longe) pisando em pouquíssimo cimento. Olhos para os amigos-pés, sujos feito cachorro que escapole para a rua antes do portão se fechar. Marrons? Pretos? Não arriscava nomear a cor.
Novamente banheiro, chuveiro bucha e sabão. Água morna lavando a alma dos pés.
O chinelo parecia uma roupa de mergulho, ou traje de astronauta. Os pés exploravam cada trecho do presente, feito a gente quando entrava dentro de caixa de papelão, daquelas de geladeira. Um mundo novo, tanto dentro como fora.
Saracoteou pela cozinha, sala, banheiro de novo e cama. Dali não sairia mais por hoje. O calor continuava e nem a colcha ele desdobrou.
Pensou onde tinha ido hoje, onde iria amanhã. Pensou em tudo que fez e viu.
Deitou a cabeça e fechou os olhos, cansado e tranquilo.
Mas logo acordou assustado; queria saber se seus pés ainda estavam ali."

terça-feira, 23 de março de 2010

"Hoje, mesmo sem saber, já lhe dei vários (sorrisos) durante o dia. - disse, bem mais à noite, num tom de quem se sentiu segura quando os sorrisos lhe subiram à face. Um tom forte, avermelhado, morno. Um tom de colo, de abraço.
Falaram de sorrisos, teletransporte, esforço, trânsito e estratégias. De massagem e de avessos. E, por incrível que pareça, conseguiram encadear toda essa conversa, conseguiram se fazer entender, de certa forma. Não que fosse preciso. A conversa em si bastava. Gerava sorrisos a cada letra, passo ou tecla; parecia que andavam de mãos dadas, numa calçada qualquer.
E isso, sem perceberem, lhes fez bem.
Lhes bastou e aproximou.
Até logo."

sábado, 20 de março de 2010

"Mau humor estranho, impaciência e inquietação que vieram sei lá de onde. Acordei assim, meio ranzinza, chato. Vontade de um monte de coisa, mas ao mesmo tempo vontade de nada.

De sair pra namorar na rua.
De beber um monte de cerveja.
De mudar para um sobrado com quintal e varanda.
De ter sossego dentro de casa.
De não ter tanta dificuldade para entender coisas complexas.
De ouvir som alto.
De chamar os amigos pra fazer um churrasco improvisado.
De viajar a algum lugar, sumir no meio de um mato qualquer.
De ler um livro bem legal.
De dormir até amanhã.
De curar logo a garganta.
De arrumar um emprego.
De não ter que me preocupar tanto com o futuro convencionado e seguro de que tanto falam.
De conseguir não dar ouvido às coisas que escuto, sejam elas quais forem.
De comer as porcarias do mcdonalds.
De andar de skate.
De molhar o pé na beira da praia.
De ter um cachorro, de volta ou de novo.
De ver um arco-íris.

De parar de reclamar."

terça-feira, 16 de março de 2010

Faixa 9 - Select Compilação Spicy Records

"Just close your eyes and wait 'cause another day is rising..." é o que diz uma música que ouço faz pelo menos uns dez anos. Tanto que a versão dela só existe em fita cassete, daquelas que estavam na caixa em cima do guarda roupa, dias atrás.
Apesar de terem se passado mais de dez anos, essa faixa sempre me surgia - me seguia ou guiava. Não percebia, mas várias vezes me flagrei dizendo, ou pensando nessa frase que escrevi logo acima.
Algo tão simples e tão bom. Tão verdadeiro. Digno de ser oferecido a um amigo que precisa, saiba ele ou não. Algo sincero que com certeza vai criar um sorriso em algum lugar.
É o tipo da música que te aparece numa viagem de ônibus, numa ida à biblioteca ou numa caminhada teimosa num domingo besta qualquer. Te surge e te supre, te transborda.
Te faz rir sozinho, sem motivo e te leva, de volta ou adiante, a lugares verdes e iluminados. Te põe pra pensar na verdade das coisas, na simplicidade curiosa da vida, corrida ou não. Te mostra, te prova que viver é simples, é bom e é fácil. Não vem com conversas babacas de que nós é que dificultamos, criamos problemas e exacerbamos emoções - só te faz ver que é bom, colocando à nossa frente vários motivos, razões inquestionáveis que te fazem, estranhamente, resignar-se sorrindo. Te fazem chegar na janela ou olhar para quem estiver do seu lado e sorrir.
Te faz dormir tranquilo, comer com aquela boca boa, boca de almoço em casa de vó, esperar o fim de semana ou o recado de uma pessoa para quem você tenta se fazer notar, convicto de sua bondade, vontade e capacidade de fazê-la sentir-se bem. Te faz querer um cachorro de novo, filhote ou adulto, para ter com quem conversar e brincar, feito filhote ou adulto, te leva àquela beirada de muro que se torna mirante. Te levanta a cabeça para olhar pro sol, fechando os olhos e sentindo o calor te inundar a testa e as bochechas. Faz estudar, ler, reler sem pressa ou mando, com prazer. Leva as tristezas velhas embora, deixando só a saudade destas que mandamos pra longe, para algum lugar onde elas não façam mal a ninguém. Faz desenhar sem saber, gostar sem querer.
Faz suspirar, perplexo, enfim."

segunda-feira, 15 de março de 2010

Isso hoje e ontem

"Em questão de dias, um ou dois ou dez, tudo muda, ou pode mudar. Muda quando menos nos damos conta e não nos surpreende.
Tudo volta a ser simples, diário. Volta a ser aquilo que não nos pesa ou distrai. Volta ao básico, ao único.
Um sorriso que passa a nos acompanhar, uma idéia que nos faz lembrar de não parar, um desejo desconhecido que nos incita, calmamente, a buscar e permitir mais mudanças.
Uma rotina que nos toma, nos envolve em disposição e pressas, urgências. Uma folga, brecha que não é esperada nem desfrutada como se deveria.

A vida passa a ser simplesmente o dia, a tarde e a noite. A ida e a volta. Com surpresas, raivas e inquietações que não incomodam quando batem. O dia com chuva, com trânsito, com janelas e café. Com livros, canetas e vento morno. Com almoço fumegando na mesa, toalha esvoaçando na janela. Plantas com novos brotos, novos ramos que parecem nos indicar para onde olhar. Para além do comum, do habitual. Conversas e abraços, entrelaço de dedos, olhares cúmplices e sinceros. Sinceramente cúmplices. Cantos e músicas, copos e beijos. Sala escura e filme ruim, sorriso no escuro."

sexta-feira, 12 de março de 2010

Foto de chuva velha

"Uma caixa de fitas cassete. Em cima do guarda roupa. Várias, algumas novinhas, com capa e encarte, outras daquelas tradicionais, compilações de várias bandas, discos inteiros gravados, as faixas anotadas na capinha, lado A e B, logotipo desenhado na lombada. Umas outras, avulsas, ganhadas, esquecidas e surrupiadas, até.
Documentam uma ou várias épocas, desde quando se começa a ouvir e descobrir música. Mostram um caminho percorrido.
Um dia em especial.
Uma tarde quente bem curtida, suada.
Uma briga ou discussão, emoldurada pelo som que ali estava, acidentalmente, e que reveste toda a situação com perfeição.
Uma cerveja sozinho num boteco qualquer, skate no pé, fone no ouvido.
Outro caminho, com paradas e abraços.
Outro boteco, desta vez entre amigos, o que faz com que a fita vá parar no aparelho do lugar, que faz com que seja tocada a plenos pulmões.
Caminho de volta, pilha acabando, rotação lenta, gutural quase.
Uma ida à escola, logo pela manhã, sono nos olhos ainda, o som faz papel de café.
No intervalo, sozinho, lá vai ela de novo. Ajuda a manter o olhar disperso, sem se demorar em nada ou ninguém.
Fita que chega pelo correio, sem a capa de plástico, mas envolta em adesivos e encartes.
Fitas emprestadas, mal gravadas, inaudíveis, mofadas.
Fitas que acompanham épocas, tocam as coisas.
Fazem parte, quando não se misturam com a vida, mesclam-se a tudo que passamos e fazemos, todos os dias.
Me pergunto se não nos embolamos em quilômetros de fita."

quarta-feira, 10 de março de 2010

"Quarenta minutos ou mais, todo dia, duas vezes, ida e volta. Numa boa, dá pra ir sentado, tranquilo até meu destino.
Tempo para acordar e começar a botar coisa nas linhas, coisa na cabeça.
Ouvindo coisas legais, cheias de palavras que ajudam a escolher coisas boas para incluir no cardápio do dia.
Ajuda a botar poesia no caminho, sabe?
Vendo o tamanho da cidade que não pára um segundo, desde cedo tudo acontecendo. Detalhes que devem passar despercebidos por alguns ou muitos. Percebo sorrisos em rostos ignorados e desconhecidos. Traz conforto ver que ainda existem espontaneidades no mundo.
Gente brincando com cachorro no ponto de ônibus, dando bom dia ao motorista, praças floridas e meio sonolentas. Padaria cheia, café cheirando longe e criança indo ao médico, de roupa nova e carrinho na mão. Isso na ida, cedo, tipo 7 da manhã.

Já na volta, a cabeça tá lotada, fervendo de idéias, conceitos e imagens. Planos para a parte da tarde, que vai ser recheada.
Lembro do que tem que ser feito, penso no que deve ter para o almoço...
Penso se alguém vai ligar ou se vou arriscar e ligar pra tal alguém pra causar sorriso e suspiro. De ambos os lados da linha.
Trânsito pauleira, buzina, pressa e paranóia. Tensão estampada na cara de todos. Acabam deixando passar detalhes também - bem-te-vi dando rasante para pegar inseto, casalzinho de velhinhos abraçados no banco da praça, sorrindo feito adolescentes um para o outro. Coisas legais de ver, já que nada anda e o calor aumenta.
Desço dois pontos antes, só pra me misturar na multidão, sumir nem que seja por alguns quarteirões..."

quarta-feira, 3 de março de 2010

"Todos os dias acordamos com sede. Sede de repor as idéias que os sonhos nos gastaram.
Hoje acordei com sede também, só que não sabia do quê.
O dia foi passando e, por mais que tentasse, nada de esclarecer o porquê da sede. Achando que fosse de café, nessa se foi uma garrafa. Não era.
Mil idéias na cabeça, que parecia um ponteiro de bússola perto de várias crianças com ímãs. Nada de foco ou concentração.
Sim e não, vai ou fica, volta ou desfaz, grava ou apaga.
Uma pausa que não pausou e tudo na mesma.
Vontade de parar o tempo, para poder botar tudo em seu lugar, colar tudo em seu lugar. Travar as engrenagens e não deixar nada mudar. Fica só na vontade, de novo.
Mudanças de idéia e completo desgosto e desânimo pela vida alheia. Desprezo, até.
Planos mantidos, pelo menos isso. Não dá pra descartar tão boa promoção!
Chance de ver novas formas de ver, ter outros meios de se ter o que nunca se sabe o que é, quando não se acredita em muita coisa mais, mesmo que por curtos instantes.
Necessidade de suprir faltas que não existem, ou existem e não se declararam.
Plena confusão e inquietação.
Dizem que a vida é ilusão, mas acho que não. É só isso que nós temos, e que teimamos em achar, inventar, rotular sentidos metafísicos e definições mais confusas ainda. Estranhas.
É olhar pela janela e enfiar na cabeça que não há nada lá além do que a vista alcança. Não há um mundo secreto, cheio de respostas brilhantes para perguntas intrigantes e singulares. Não há mistérios ou revelações. Só a paisagem da janela, sem tirar nem por.
O que vier é produto da sua vontade de colocar mais coisas do que cabe ali. Criar mais pontos de fuga, onde só existe um. E essa fuga não vai te levar a um lugar melhor ou mais macio. Não vai ser algo que te confortará. Não será bonito nem silencioso.
Não será nada além do que você pensa, sente e vê.
Só isso, por mais seco e duro que pareça.
Contentemo-nos."

Inspired by a band

"A new life brings new hope
Brings new dreams and new deals
Deals of responsability and growth
Dreams, loves and wills..."

Pensamentos na cadeira

"Depois de tomar chuva e molhar até o cinto, lá está ele à espera da sua vez na sala do dentista, ou melhor, da dentista. Já começa bem, a bendita está atendendo numa sala que não é a dela. Bom, isso acontece - pensa.
Toma assento e fica, tentando não deixar transparecer sua cara de raiva, já que odeia se molhar de chuva, exceto em dias de calor, com os amigos e uma cerveja na mão. Enfim, se esforça e consegue manter um sorriso no rosto.
Mas, infelizmente, começa a prestar atenção aos barulhos do local - enceradeira, ventilador velho e conversas. Muita conversa onde observa-se placas e cartazes com a palavra SILÊNCIO por toda parte.
Repara que a maior parte da falação vem da sala onde justamente vai se consultar. E pior, a voz mais estridente e irritante é, obviamente, da dentista que vai atendê-lo.
Pronto, era o que faltava! Uma dentista que fala demais não deve ser legal. Imediatamente se questiona se ela usa máscara. A imagem de alguém sentado à sua cabeceira, falando alto e espalhando gotículas d'água por toda parte, inclusive seu rosto e boca, lhe causa um tremor na espinha, digno de Hitchcock.
Mas seu otimismo estava em alta, e logo tirou isso da cabeça quando foi chamado - ela estava de máscara.
Porém, notou que o consultório esteve aberto todo esse tempo, com duas ou três pessoas lá dentro, falando também.
Aiaiai, recitou como um mantra.
Entrou e viu-se diante de uma figura que em nada se parecia com um profissonal. Preferiu não se demorar olhando aquilo, para não ter que lembrar depois.
Assinou onde devia e sentou-se.
As perguntas de praxe, o babador de papel-toalha colocado torto e seus pés encharcados, lá na frente.
"Abra a boca; não, fecha um pouco."
"Vamos ver se o mocinho escova dente direito."
"Tá vendo ali? Tudo aquilo é placa bacteriana, sabe o que é isso?"
"E esse ciso? Ih, todos já romperam, mas não vão passar disso. Bom vai ser arrancar. Você já não é mais criança, isso vai te causar problema. Não importa o que os outros dentistas disseram, vai ter que arrancar os quatro! É, pelo jeito tá faltando é coragem, não? É já vi, é falta de coragem, mesmo. Se fosse eu, arrancava."

Na limpeza em si, com o tal jato de bicarbontao de sódio, sente os intrumentos levantando sua gengiva igual uma faxineira levanta o tapete. Delicada como um rinoceronte.
O falatório continua, em ritmo acelerado, ainda bem que de máscara
Quando sente que falta pouco, um deslize e lá vai o jato esfolar sua gengiva e o céu da boca e o fundo da língua. Arde como raspar a parte de cima dos dedos em uma parede de chapisco.
Palavrões vêm à tona, em alto em bom som, o mau humor de estar molhado se traduziu em uma cara de completo descontentamento. Vai cutucar assim a boca do teu pai, pensa, enquanto cospe a sangria, que a digníssima diz ser culpa da má escovação, e não da sua incompetência. E faz questão de repetir.
Por pouco não se levanta da cadeira e volta pra chuva.
Contém-se, respira e ganha mais um tanto de papel-toalha para se enxugar. Melhor seria uma toalha felpuda, mas até aquelas bem vagabundas, de motel, serviriam.
Pensa que talvez ela seja veterinária, e não dentista de gente. Descarta a idéia, respeita os veterinários demais para tal comparação.
Passa então a se perguntar quem trata dos dentes dela. Tomara que seja alguém igual. Ou pior.
Enxague com antisséptico bucal, pra fazer arder o que ainda não tinha ardido, com um comentário pra lá de babaca: "Tem um gostinho bom,né? Refrescante! Nesse calor é bom!"
Que calor, diabos?! Uma chuva do cão lá fora, frio faz dois dias, tempo nublado. Calor? Só se for do inferno de onde ela veio!
Lá vem o flúor "sabor-tutti-fruti-você-vai-ver-que-delícia". Lambuza também o nariz e o queixo.
Pede radiografia. Tira radiografia. Volta. Entrega. Ela olha no meio do corredor, pega a marmita e tchau. Pelo jeito, tudo certo.
É, acabou, pensa. Por sorte a chuva passou, e dor no céu da boca já mostra sinais de que vai diminuir.
Quando entra no ônibus se lembra da bandeja com os instrumentos, esterilizada e lacrada, que a maldita abriu no parapeito da janela..."

terça-feira, 2 de março de 2010

"Pessoas sempre se escondem, inclusive eu. Escondem-se da vida todos os dias, rezando a cada passo que nada de inesperado apareça - pela frente ou pelas costas.
Tenho tentado não me esconder, não me esquivar, não evitar os confrontos, com a devida prudência.
Tenho deixado as lembranças virem e cobrarem seu preço, resgatarem seu lugar na memória. Isso me tem feito reler tais lembranças. Me tem feito rever emoções passadas, reavaliar as reações quando frente a tais eventos.
Tenho me ensinado a aceitar o que passei, não como injustiças, por mais que tenham sido, mas como lições de amor. Amor próprio e pelos outros.
Tenho repensado opiniões e e ocasiões. Tenho admitido que estas vieram em boa hora.
Repensado as oportunidades que vieram. Que só se tornaram reais porque assumi os riscos com um sorriso no rosto.
Repensado, também, as decisões que tomei, por vontade própria ou não. Que hoje vejo terem sido o mais sensato a fazer ou que acabou acontecendo. Como dizem, nada acontece por acaso.
Vejo que é isso que tenho a dizer, pelo menos por hoje é só."