quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Um amigo meu é assim:

"Tem um amigo meu que é bobo e chora vendo filme. Chora de soluçar, não é mentira. Eu garanto.
Esse meu amigo também é palhaço que só vendo; faz de tudo pros outros ficarem felizes, nem que para isso seja necessário passar por situações ridículas. Faz de tudo por sorriso ou gargalhada dos outros.
Ele gosta de beber cerveja e dá risadas altas e contagiantes quando está sentado em alguma mesa de buteco. De vez em quando, inventa de ser garçom e vai buscar a garrafa ele mesmo, só pra bater papo com o dono do bar e com os garçons de verdade.
Ele sempre tem alguma novidade, uma coisa pra te contar, uma idéia maluca que ele inventa na hora, olhando para o que quer que esteja passando pela rua.
Gosta de fazer comida, apesar de não ser tão bom cozinheiro assim. Gosta de ver todo mundo enchendo o prato, lambendo os beiços.
Adora fazer bagunça, dar uns gritos estranhos em meio a saltos incompreensíveis. Pular no sofá, aumentar o volume e chutar alguma coisa no caminho, mesmo que machuque o pé. Daí fica mancando, mas continua na mesma maluquice de antes. E acaba que todo mundo se contagia e surta junto, fazendo do lugar um hospício.
Gosta de fazer as coisas bem-feitas, sabe? Seja trabalho ou hobbie; não sossega enquanto não estiver satisfeito.
Faz e toma café feito um louco. Tanto que outros amigos fazem questão de tomar um café feito por ele; eu sou um desses. Então fica tomando café, conversando empoleirado em alguma grade, agachado no solzinho de inverno ou ouvindo o jazz do John Coltrane, com a chuva lá fora e o pão, quentinho, na mesa.
Faz bagunça no quarto, empilha livros ao lado do travesseiro e desenhos na mesa. Dorme de janela aberta e acorda com qualquer barulhinho. Às vezes acorda com falta de ar, e acaba dormindo sentado. No inverno, dorme com um moletom enorme, com um capuz que cobre toda sua cara e ele fica parecendo um guaxinim.
Gosta de abraçar o cachorro dele, bem apertado.
E sei também de uma coisa, mas não conte pra ninguém: ele quase sempre chorava abraçado com esse cachorro, depois que todos iam embora ou quando aconteciam coisas chatas. Coisas que ele não controlava, mas queria.
Coisas que não eram culpa dele."


COMEÇO DE TARDE EM BH, COM MUITA LUZ.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

"Antes ele se preocupava com os resultados das coisas que não podia prever; se o troco do pão ia dar pra inteirar uma revista qualquer, para matar o tempo. Pensava se seu cachorro não lhe daria nenhuma complicação enquanto ele estivesse trabalhando, já que aprendia, cada vez de uma maneira diferente, a escapulir do quintal.
Muitas vezes ele deixou de ir a encontros com amigos, com receio de que um e-mail importante chegasse e ele não o respondesse a tempo, com a devida urgência e seriedade que tais assuntos merecem (ou cobram). Algumas poucas vezes deixou de tomar banho, ressabiado com algum escorregão no box ou choque no interruptor do quarto, uma vez que também poderia esquecer os chinelos. Isso sem contar o sereno e as correntes de ar, traiçoeiras como sempre.
Esquecia-se que para escrever um conto ou pintar um quadro, não é preciso nada, a não ser querer fazê-lo. Teimava em sentar-se com o caderno no colo, lápis apontado e mãos secas, pronto e paramentado para ser criativo. Esquecia-se também, que o papel não precisava ser xingado e rasgado para fazer as idéias saírem. E, por muitas vezes, negava às vontades seus direitos de se expressarem. Censurava os traços que fluíam de seus dedos e palavras coloridas que forçavam caminho por entre seus dentes. Tinha outras coisas para fazer.
Negava o suor, os suspiros, as risadas e as sessões de cinema em salas quase vazias. Negava passeios silenciosos e olhares solitários e insinuantes para a lua e as estrelas. Vetava seu coração de vagar, bobo, por sorrisos e pernas alheias. Proibia sua voz de cantarolar qualquer melodia que lhe subisse garganta acima.
Negava, sem perceber, a si mesmo e à sua amada, inconsciente dos suspiros apaixonados que vinham da janela em frente."

sábado, 20 de fevereiro de 2010

"Conversas extensas em noites abafadas. Belo Horizonte é isso, pelo menos pra mim sempre foi. Conversas que fluem por campos e florestas, conversas leves e densas.
Conversas sobre expectativas, vívidas ou fugidias, que não nos deixam em paz, por mais que queiramos.
Conversas, às vezes tensas, que deixam à mostra nosso âmago simples e sincero, incontrolavemente sincero. Doce até.
Deixa à mostra nossa vontade e desejo de bem. Nosso anseio pela beleza e pelo sorriso, pelo calmo e, de novo, pelo sincero.
Conversas que evidenciam a dádiva de boas noites de sono, precedidas por uma volta pra casa segura. Precedidas por sinais simples de entendimento e cumplicidade.
Belo Horizonte de conversas que não chega a todos nós.
Seria bom se chegasse."

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

"Relações sociais têm me parecido uma ameba, molenga e fluida, estendendo seus pseudópodos em direções diversas, inesperadas. Sempre surpreendentes. Se olharmos de cima nossa vida, vamos perceber que de tempos em tempos, nossos braços se estendem para direções diferentes, às vezes novas, às vezes já traçadas antes. E, por vezes, até deixam de passar por sobre certas áreas, como se ali houvesse algo perigoso.
Olhando com outro filtro ou lente, tudo que somos ou fazemos age de tal forma, ou disforma, se é que me entende. Tudo se projeta a outros abismos, a outras escadarias e outras janelas.
Tudo que somos persegue outros sorrisos, outros afagos e novas palavras.
Persegue chuvas mais frias, chovidas em outras cidades, entre pessoas que não são nossos comuns. Entre mil e um abraços vindo dos quatro cantos do mundo.
Perseguimos sabores diferentes a cada passo, e nos surprendemos quando o amargo nos agrada e ilumina.
Buscamos tudo sem saber o que realmente precisamos, apenas do que queremos ali, naquele ímpeto.
E não é que nos satisfazemos?
Não é curioso respirar sorrindo por um cansaço imprevisto? Um cansaço fruto da mais sincera comunhão de momentos. Sincronia desencadeada pelo susto, pela risada, pela vida em si. Vida que nos infla e nos guia em meio aos matagais e telhados. Vielas, colchões e calçadas."
"A insistência em receios pré-existentes mostra-se real e indubitável a cada minuto que suporta-se.
Arrependimentos já sabidos e resignações duradouras entram em combate, deixando, mais uma vez, dúvida e inquietação dolorosa.
Teimosia, esperança ou talvez só ingenuidade voluntária. Vã tentativa de fazer com que tudo seja essa maravilha de que tanto falam.
Tempos de constatação inegável e vontades deixadas na esquina."

São João del Rei, 16/02/2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Epílogo

"Duas semanas. Nada mais do que isso. Duas semanas de raivas, surpresas, lágrimas, forças e vontades. Decisões tomadas.
Duas semanas durante as quais eu senti e bebi e comi da mais verdadeira amizade e felicidade que jamais tive capacidade de conceber.
Sorriso só por acordar, igual cachorro, sorriso e só. De barriga e alma cheias, lotadas. Transbordando de sorrisos que não deixam dormir; e que ficaria insone por todos estes sempre que for preciso."

Dezoito.

"Não quis vê-lo. Esquiva-se até hoje. Não disse o por quê e também não deixou transparecer em sua voz.
Pergunta-se ainda os motivos, mais por apego à razão e à logica doq ue por saudade ou exigência.
Mas, mesmo perguntando, sabe que não deseja, não precisa de resposta alguma; não vai mais fazer diferença.
Percebe que tem se tornado mais e mais forte frente a tais embates. Sua voz não hesita e seus tremores são fruto do remédio, que sozinho e aos poucos torna-se obsoleto.´
À medida que os dias passam, percebe que não espera por mais ninguém. nâo busca uma musa ou uma deusa. Busca e tem encontrado a si, a cada passo que dá. Hoje e para sempre."

Poços de Caldas, 12 de janeiro

"Amores são justiças que se devem a quem se ama, a quem se é. Ser juntos, agarrados. Vigiando seus contornos velando seu sono e sonhos.
Amores e justiças que devem-se ser, mesmo após o fim. Depois do último abraço, sorriso, afago, desaforo ou suspiro. Depois da última lembrança ser atenuada. Devem-se sempre, enquanto alguém espera ou é esperado.
Justiças e amores devem-se até mesmo por surpresas ou calúnias. Devem-se e trocam de lugar e de dono. De alvo. Justiças fazem-se por seu dever, sua razão. Justiças e amores confusos, mal-entendidos e até mesmo inexistentes. Amores amigos, irmãos. Amores que pura e simplesmente despontam, duram vidas e idades, muitas vezes duram mais. Douram, iluminam, despertam. Que nos roubam sonos e sonhos ao mesmo tempo que embalam nossa noite num ninar morno, silencioso."