"Dia após dia ele anda pelos quarteirões perto da sua casa e sempre escuta o canto do canário de um dos vizinhos da rua. Nessa hora ele para e ouve com atenção, quase um êxtase.
Dia após dia ele toma café e corre para escovar os dentes antes que seu ônibus passe batido pelo ponto, vazio não fosse ele ali.
Dia após dia sente falta de ter tempo pra comprar uma rede e furar, a contragosto do proprietário, as paredes da pequena varanda de seu apartamento.
Noite após noite sente saudade de seus irmãos, mais velhos, com quem dividia o quarto e as risadas após a hora de dormir.
Noite após dia sente o cheiro do chimarrão da vizinha, bonita e quieta, que invade sua área de serviço enquanto ele põe as roupas, lavadas durante a tarde, no varal.
Busca refúgio entre as folhas da samambaia que ganhou de uma amiga.
Busca conforto nas notas que Edu Lobo tira do violão.
Busca água na bica perto de seu endereço.
Busca pilhas para a lanterna da cabeceira.
Traz para casa toda a sorte de bugigangas que encontra nos ambulantes residentes em frente a seu emprego.
Traz no peito uma dor que não sabe o que é e não sabe esconder. Chora ao passar a catraca, ao dar sinal para descer. Limpa o rosto antes da portaria, do serviço, do banco e do restaurante onde almoça.
Desse modo, não traz tal tristeza para dentro de casa. Não deixa que suas lágrimas pinguem em sua mesa, livros ou travesseiro.
Desse modo, deixa que a cidade leve suas mágoas, saudades e vontades para longe, para junto de outras lágrimas, dores e desejos, que se congregam em enxurradas invisíveis.
Direto, como já disse, para longe, lá no mar..."
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