domingo, 28 de março de 2010

Domingo besta S/A

"Esse é o nome desta empresa tão bem-sucedida. Tamanho sucesso permite que nela só se trabalhe um dia por semana, apesar da quantidade de trabalho nesse dia ser enorme.
E o que se faz e se vende nessa empresa, é o que perguntam todos na calçada-platéia.
Lá tem de tudo para tornar seu domingo completamente quase que insuportável, impossível de passar.

Tem inquietação com céu azul mas nada para fazer.
Tem andanças feito barata-tonta pela casa e quarteirões.
Tem atraso em todas as tarefas que se dispõe.
Tem sono calorento depois do almoço, de fazer acordar com a camisa suada, incomodando.
Tem ausência de alguém para sair junto, de mãos dadas, talvez.
Tem ruas vazias de gente e vazias de sons.

Lembranças que a custo foram esquecidas se apresentam vívidas e inoportunas. Vontades de lembranças frescas para suspirar na janela.
Saudade das tardes quando compartilhava o domingo besta dos outros em reuniões improvisadas - fosse chuva ou sol - e que faziam graça com tal empresa e seus produtos.

Tem expectativa de que acabe logo esse dia e que comece logo a semana.
Tem correria antecipada.
Tem torcida para que passe algo de bom na tv.
Tem fome de comida japonesa, com atuns e shimejis.

Tem uma noite linda, com lua e céu limpo, convidando para sair, andar, prosear e abraçar. Nessa noite tem praças e ruas mais vazias ainda, com cães que levam seus donos para passear, ávidos para sair um pouco dos apartamentos e esticar as canelinhas curtas.
Tem telefone que não toca ou atende, música que nem sempre satisfaz, macarrão de fim de tarde, papelada em cima da mesa pedindo para ser lida. Tem matéria das provas chegando por email, livros com várias marcações, carteira vazia, cabeça também...

Essa empresa não vende essas coisas, sabe? Ela disponibiliza para todos, numa boa. E não é preciso nem pedir. Mandam o pacote completo - se a carapuça servir, acaba-se usando um ou outro produto, sem pensar ou querer.

O bom é que, tendo uma boa dose de discernimento ou vergonha na cara, conseguimos pegar tudo que é bagunça e dúvida e fazer virar outra coisa ou, na maior parte das vezes, conseguimos fazer essas coisas pelo menos perderem a significância.
Conseguimos deixar correr, fluir, sem esperar o resultado.
Nada disso a empresa tem para oferecer ou espera como resultado do uso de seus produtos."

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