"Ontem saiu para comprar pão, mas saiu contra gosto e contra vontade. Estava chovendo e ele preferia ficar deitado, misturado aos seus lençóis, fundido à sua preguiça.
Teimou em vestir blusa ou casaco, botas ou mesmo um chapéu. Teimando, saiu.
Chovia uma chuva estranha, nem quente nem fria, nem grossa nem fina. Apenas chovia, e isso era o que causava a inquietude.
O caminho até a padaria era curto e, geralmente, ele podia sentir o cheiro das guloseimas, quente no ar, logo quando virava a esquina. Dessa vez não. Dessa vez não sentiu.
O que sentiu foi o cheiro das árvores, cheiro-verde, por assim dizer. Sentiu o aroma das gotas que conseguiam vencer a barreira das folhas, daquelas que despencavam aos solavancos após uma ave alçar seu vôo ou mesmo o cheiro das gotas que desciam, todas unidas, tronco abaixo.
Sentiu e parou, estacado, abaixo de uma grande árvore, imponente e cansada sob o peso de suas folhas viçosas e seus galhos idosos. Parou ali, atrapalhando a passagem das senhoras e suas sombrinhas, afrancesadas com seus trejeitos. Parou e olhou para cima, sem nenhum receio ou cerrar de olhos para alguma gota que viesse lhe saudar. Olhou e viu acima de si o céu mais azul que poderia conceber.
Descobriu que a chuva já parara há algum tempo, tal como ele, que ficou ali, fincado, sentindo, sem se dar conta da situação. Ficou, se molhou encharcando, e se descobriu sorrindo.
De repente, virou a cabeça, como que empurrado por uma mão invisível - era o cheiro do pão que saía chiando do forno, e que lhe chamava, avisando que a tarde apenas começava e que era preciso um café novo para acompanhá-lo."
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