quinta-feira, 10 de junho de 2010

"Ele já chegou quieto, calmo demais. Sentou no banco de cimento gelado, de costas para o sol, esperando que as portas se destrancassem e ele pudesse se aquietar lá dentro. Última cadeira, segunda fila.
Todos vão chegando, sonolentos e encolhidos debaixo dos moletons. Passam também grupos de outros, talvez mais jovens, e com certeza, muito mais felizes. Isto lhe faz repensar e relembrar tudo à sua volta, daqui até a porta de casa - o que ele tinha esquecido por um momento. Tinha conseguido sumir sem perder-se - concordava e completava frases, ria como se a conversa lhe causasse risadas. Ao mesmo tempo, estava em paz, neutro em si mesmo, sem pensamentos ativos.
Num instante já estava lá dentro, sentado, quieto e inquieto. Estava apreensivo e tentava racionalizar o motivo. Já sabia que não era pelo motivo que imaginava. Lembrou-se de uma ex-namorada que costumava dizer: "Quando fico assim, estranha, é porque algo de ruim vai acontecer." Estranho que o namoro terminou e ele trouxe isso consigo - a inquietação como aviso e as câimbras como castigo. Com o tempo aprendeu a usá-los a seu favor.
Noutro instante, tudo já ia acontecendo, se via de fora, sentado na janela às suas costas, olhando por cima de sua cabeça careca a aula e os debates inflamados sobre temas supérfluos.
Sua cabeça, ali na frente, fervilhava de divagações e comentários sobre os assuntos. Citava exemplos, rebatia respostas e até arriscava prever os rumos da conversa. Pensava em outras abordagens, esquecidas pela turba que expunha seus conhecimentos e pontos de vista. Isso tudo ele viu, dali da janela, alheio.
Dali ele pensava em simplicidade. Pensava em sair, pela janela mesmo, para outros endereços. Dali saíam soluções mais sensatas e humanas para seus próprios problemas. Ou pelo menos soluções em potencial. Sentado na janela atrás da última cadeira da segunda fila ele suspirou fundo e engoliu um suspiro engasgado que lhe vinha juntar com seu duplo ali embaixo. Evitou ser tragado de volta para a rotina que já o consome sem nenhuma satisfação.
Nesse instante fez-se uma pausa. Na aula, nas falas e nas tensões. Sorrisos de verdade surgiram em vários rostos, braços se espreguiçaram rumo ao sol bobo da manhã. Ele ainda se demorou ali, remexendo papéis que deveria devolver: um primeiro passo?
Devolvidos os papéis, pensou num café e se foi. Sentou-se com os seus. Nessa hora tudo se separou novamente, e ele se viu lá de cima, da beiradinha de alguma nuvem, olhando as conversas e risadas ali embaixo. Sorriu.
Desceu da sua nuvem, buscou suas coisas - água, papel e música - e tomou seu rumo. Não saiu à francesa, mas também não explicou suas razões. Um até amanhã bastou.
Um aceno, um olhar individual a quem olhava, uma explicação velada para aqueles que a pediram."

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