segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A função das coisas

"Outro dia me veio à cabeça a função das coisas, mais precisamente do alpendre.
Alpendre, varanda, sacada...todos com as mesmas. várias funções.
No caso, agora serviria para fingir que sumi, que desfiz em poeira, pra longe desse ruído que me cerca: tevê, máquina de lavar, torneira. Tudo isso rodeia de uma forma tão ensurdecedora que chegar a fazer suar, palpitar. Com certeza seria um bom lugar pra se esconder, no escurinho, olhando a rua, os carros, as gentes, seja no mesmo nível, seja lá de cima, do alpendre suspenso do prédio.

Serve também para sentar depois do almoço, aquele almoço. Sentar e deixar o tempo passar enquanto se saboreia os últimos estalos dos temperos. Sentar para não "fixar a vista" depois de comer, pra não passar mal - sempre diz a minha mãe. Sentar e pensar que rumo tomará a tarde, a noite. O domingo ou mesmo a segunda-feira corrida. um bom alpendre, quaisquer cinco minutos revigoram como banho de cachoeira ou cerveja gelada na ressaca.

Falando nisso, foi no meu alpendre-varanda que tomei as melhores cervejas de minha vida, com meus grandes amigos, que sentem a falta de tal cômodo tanto quanto eu. E foi sentado no sofá ali espremido que trouxe pão quente e café recém coado para aquela que realmente mereceu. Café com pão com Coltrane. E aquilo venceu até a chuva que caía tentando nos intimidar. Me vence no quesito saudade até hoje.

Alpendre é para sentar no canto, desenhar no chão e engatinhar. É pro cachorro esfriar a barriga numa tarde calorenta. É para lavar no sábado cedo e ficar olhando a água evaporar rápido. É pra mudar móvel de lugar, debruçar na grade, sentar nos degraus. É para juntar todo mundo e tirar foto, é pra onde duas pessoas sempre vão, numa festa de casa cheia, se por acaso ainda não são um casal.

Queria um alpendre assim, portátil, para carregar para o serviço, para lugares onde ele se faz necessário.
Lugar onde o silêncio é cobertor, onde a saudade senta do lado e o amor flui pelos poros."

2 comentários:

  1. Limão, que texto fera!

    Fiquei com saudade de um alpendre que talvez nem exista.

    Abraço

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  2. quando eu era pequena nos dias de calor eu deitava no alpendre da minha casa, era gelado e alí o mundo parava de rodar.

    deu até uma saudade!

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