"Ontem uma tristeza passou na minha janela. Botou a cara lá, mas só deu pra ver uma parte, porque era uma tristezinha daquelas miúdas, que deve ter precisado ficar na ponta dos pés pra tentar olhar aqui na sala, onde eu estava.
Vi a cara dela ali, pidona de entrar. Acabou que fiquei parado, só olhando. Nos encaramos por alguns minutos, um esperando o próximo movimento do outro. Acabou que foi-se embora, vai saber para onde. Talvez tenha desistido da visita.
Essas tristezas parece que gostam de andar um bocado em épocas de fim de ano. Não sei se é porque querem encontrar com os amigos e conhecidos, que nesta época costumam estar bem cansados e geralmente ficam em casa, escondidos do calor.
Mas pensando bem, acho que andam muito porque nessas épocas tem tantos motivos que as façam ficar sem lugar, inquietas nas suas camas e casas, que daí resolvem sair, por calor ou solidão pra ver se acham alguém pra amolar.
Quem diria, tristezas solitárias procurando por alguém pra conversar. Isso lá é tema de texto?"
Me Rotule "PRECÁRIO"
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Sobre outros meios de se ser
"Buscando sossego e rumo em meio a tanta memória, buscando que lhe abram as portas e o peito. Isso não acontece nunca, e doi constatar isso.
O peito e as portas entre mais todas as coisas passíveis de serem abertas, quem abre é cada um que resolve não dever ou precisar permanecer no mesmo lugar. Quem abre é aquele que cansou da repetição e da dureza das saudades e memórias que coçam os dedos e incham os olhos.
Quem abre é um por um, indo e vindo, deixando ir e fazendo vir. Quem abre é quem resolve andar sozinho e descalço. É quem grita por dentro, deixando sair a angústia num misto de suspiro e sorriso.
Abre aquele que resolve ser outro, ser além do mais um, do mesmo. Abre portas para si mesmo e, ao passar por estas, deixa-as destrancadas, ou até mesmo entreabertas. Uma fresta para quem mais precisar poder usar, nem que seja para sentir o ar novo que vem dali, trazendo, talvez, coragem para abrir sua própria porta."
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
domingo, 18 de novembro de 2012
Andando de volta
"Passa algum tempo até que se percebe o tamanho das coisas. O tamanho das ausências e das perdas. Mesmo que algumas dessas coisas já tivessem aparecido antes, dado um sinal da sua chegada, quando estas surgem, leva uma série de momentos para que possam ser entendidas.
É sempre parecido, mas nunca estamos preparados. É quase sempre a mesma dor, o mesmo aperto. Quase.
Muda o endereço, o motivo, a duração e a saudade.
Tem saudade que vem aos poucos, que se pega em cada coisa achada no meio da bagunça - seja gaveta, seja memória. Tem saudade que te pega pelo braço e te leva pelos caminhos feitos pela última vez. Boa de botar sorriso no rosto, ou doída de te fazer encolher. A que te fecha e te aperta, olhos, mãos e lábios, te botando de castigo num canto onde ninguém veja.
Tudo isso, saudades, tamanho, dor e aperto, têm tempos diferentes. Mexem com o tempo de forma diferente. Conseguem mudar a percepção do dia e do clima, puxando muito de tudo para ser visto sob a óptica turva, que te embaça os óculos e te rouba o paladar.
Os motivos geralmente se dissolvem mais rápido. Na boca, sem deixar amargor ou ânsia, no peito sem deixar cicatriz ou rancor.
Já os endereços, esses, a meu ver, são cruciais. Deles dependem muitos dos fatores acima. São eles que, em certos casos, roubam teu senso de direção e te fazem perder-se na vizinhança das saudades. Te fazem empacar nas horas intermináveis das esperas, das idas, dos "vou te buscar daqui a pouco" e dos "fica só mais um pouquinho, é perto...". Por outro lado, tem endereços que simplesmente separam, isolam, impedem.
Às vezes tão distantes que desvanecem a saudade, esfriam o abraço.
Tão distantes que fazem o outro esquecer o sorriso."
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Tal como hoje
"Acorda-se tentando imaginar como está o céu, com receio de olhar pela fresta da cortina e constatar que o cinzento permanece. Cinzento tão aguardado, fresco e com chuva que espantou o mormaço e o mau humor.
Acorda-se e percebe que o cinzento que surgiu recentemente, tão aguardado e não conseguido, ainda continua e aumenta de intensidade. Toma uma forma inesperada. Pesada por si só.
Sente o que antes não teve forças para fazer concreto, por fraquejar ao ver a tristeza. Sente o lado oposto, a tristeza sentida do lado de lá do muro. A iminência da ausência e o medo do abandono.
O que antes seria o ideal, o correto, agora se assume como saudade.
O que antes era corriqueiro e normal, agora se faz presente, intenso e pulsante. Agora se faz notar a todo momento, revirando poeiras há muito quietas.
Busca-se, porém, seguir adiante, relembrando cheiros recentes, sorrisos ainda crus e cumplicidades recém descobertas.
Busca-se o foco oculto nas fotos já tiradas, nas divergências musicais veladas.
Busca-se o seu. Aqui e ali.
Faz-se abrindo a janela.
Vendo tudo começar de novo, à medida que o café te esquenta a ponta do nariz dentro da caneca."
terça-feira, 13 de novembro de 2012
Mudam-se
"As mudanças chegam de repente. E por chegarem assim, não causam imediatamente o tradicional estardalhaço. Não acionam o desconforto que as acompanha. Chegam e instalam-se, caladas, ao seu lado.
Mudanças assim demoram a se habituar à sua rotina. Demoram, de certa forma, a se fazer notar. Parecem aquele tio que lê o jornal calado, balbuciando de quando em quando, uma opinião aguda sobre algum tema no ar. Essas mudanças soltam, nas horas mais discretas, um assobio de lembranças, sutil, mas que fica ali, assobiando por um longo tempo, como que esperando você terminar seus afazeres. Nesse momento ela te cutuca o ombro, te chama baixinho, levantando a mão para que você descubra onde ela está.
Depois disso, as mudanças começam a se acostumar, e com isso vem o abuso. Não respeitam teus horários, teus almoços ou leituras. Te fazem perder o ônibus, o foco, a linha da conversa. Te fazem perder também a vontade de esquecer.
Nessas horas, às vezes, o remédio é olhar pra frente, olhos abertos ou fechados, encarando o que possa surgir."
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
Dos óculos embaçados
"Olha as páginas à sua frente, sempre à procura de um sinal, pista ou constatação de que fez algum bem pra alguém em algum lugar algum dia.
Acha pistas, sim, mas não as que tão meticulosamente tem procurado, mesmo que involuntariamente. Acha, por outro lado, lembranças de todos esses alguéns, com quem compartilhou calçadas, mentiras e palavrinhas. São essas as recordações: as calçadas por onde passou, passaram, sentaram e nunca mais foram vistos de mãos dadas, as mentiras acreditadas, juntos ou separados, sumidas na resignação de ambos, e as palavrinhas.
Ah, as palavrinhas! Palavras-chave, códigos, segredos e sinais íntimos, surgidas em momentos únicos e que nunca vão deixar-se roubar por outro alguém que possa, porventura, aparecer.
Engraçado como imediatamente olha-se para o céu em momentos assim, em busca de sabe-se lá o quê..."
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