domingo, 18 de novembro de 2012
Andando de volta
"Passa algum tempo até que se percebe o tamanho das coisas. O tamanho das ausências e das perdas. Mesmo que algumas dessas coisas já tivessem aparecido antes, dado um sinal da sua chegada, quando estas surgem, leva uma série de momentos para que possam ser entendidas.
É sempre parecido, mas nunca estamos preparados. É quase sempre a mesma dor, o mesmo aperto. Quase.
Muda o endereço, o motivo, a duração e a saudade.
Tem saudade que vem aos poucos, que se pega em cada coisa achada no meio da bagunça - seja gaveta, seja memória. Tem saudade que te pega pelo braço e te leva pelos caminhos feitos pela última vez. Boa de botar sorriso no rosto, ou doída de te fazer encolher. A que te fecha e te aperta, olhos, mãos e lábios, te botando de castigo num canto onde ninguém veja.
Tudo isso, saudades, tamanho, dor e aperto, têm tempos diferentes. Mexem com o tempo de forma diferente. Conseguem mudar a percepção do dia e do clima, puxando muito de tudo para ser visto sob a óptica turva, que te embaça os óculos e te rouba o paladar.
Os motivos geralmente se dissolvem mais rápido. Na boca, sem deixar amargor ou ânsia, no peito sem deixar cicatriz ou rancor.
Já os endereços, esses, a meu ver, são cruciais. Deles dependem muitos dos fatores acima. São eles que, em certos casos, roubam teu senso de direção e te fazem perder-se na vizinhança das saudades. Te fazem empacar nas horas intermináveis das esperas, das idas, dos "vou te buscar daqui a pouco" e dos "fica só mais um pouquinho, é perto...". Por outro lado, tem endereços que simplesmente separam, isolam, impedem.
Às vezes tão distantes que desvanecem a saudade, esfriam o abraço.
Tão distantes que fazem o outro esquecer o sorriso."
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Tal como hoje
"Acorda-se tentando imaginar como está o céu, com receio de olhar pela fresta da cortina e constatar que o cinzento permanece. Cinzento tão aguardado, fresco e com chuva que espantou o mormaço e o mau humor.
Acorda-se e percebe que o cinzento que surgiu recentemente, tão aguardado e não conseguido, ainda continua e aumenta de intensidade. Toma uma forma inesperada. Pesada por si só.
Sente o que antes não teve forças para fazer concreto, por fraquejar ao ver a tristeza. Sente o lado oposto, a tristeza sentida do lado de lá do muro. A iminência da ausência e o medo do abandono.
O que antes seria o ideal, o correto, agora se assume como saudade.
O que antes era corriqueiro e normal, agora se faz presente, intenso e pulsante. Agora se faz notar a todo momento, revirando poeiras há muito quietas.
Busca-se, porém, seguir adiante, relembrando cheiros recentes, sorrisos ainda crus e cumplicidades recém descobertas.
Busca-se o foco oculto nas fotos já tiradas, nas divergências musicais veladas.
Busca-se o seu. Aqui e ali.
Faz-se abrindo a janela.
Vendo tudo começar de novo, à medida que o café te esquenta a ponta do nariz dentro da caneca."
terça-feira, 13 de novembro de 2012
Mudam-se
"As mudanças chegam de repente. E por chegarem assim, não causam imediatamente o tradicional estardalhaço. Não acionam o desconforto que as acompanha. Chegam e instalam-se, caladas, ao seu lado.
Mudanças assim demoram a se habituar à sua rotina. Demoram, de certa forma, a se fazer notar. Parecem aquele tio que lê o jornal calado, balbuciando de quando em quando, uma opinião aguda sobre algum tema no ar. Essas mudanças soltam, nas horas mais discretas, um assobio de lembranças, sutil, mas que fica ali, assobiando por um longo tempo, como que esperando você terminar seus afazeres. Nesse momento ela te cutuca o ombro, te chama baixinho, levantando a mão para que você descubra onde ela está.
Depois disso, as mudanças começam a se acostumar, e com isso vem o abuso. Não respeitam teus horários, teus almoços ou leituras. Te fazem perder o ônibus, o foco, a linha da conversa. Te fazem perder também a vontade de esquecer.
Nessas horas, às vezes, o remédio é olhar pra frente, olhos abertos ou fechados, encarando o que possa surgir."
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